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categoria: Entrevista

Entrevista Perla Assunção - Cenários da Leitura Acessível no Brasil

Perla é uma mulher negra de cabelo curto e cacheado. Perla sorri, usa batom vermelho e brincos.
Publicado em: 31/08/2021
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Lançada em 2019 pela Fundação Dorina Nowill, a pesquisa Cenários da Leitura Acessível esboça algumas das perspectivas e dos desafios quando o assunto é acessibilidade e inclusão das práticas de leitura no Brasil. Afinal, como anda o acesso à leitura por parte de pessoas com deficiência no país?

Bom, para discutir essa e outras questões conversamos com Perla Assunção, articuladora do projeto Rede de Leitura Inclusiva – responsável pela realização da pesquisa junto à Fundação Dorina e ao Instituto DataFolha. A Rede tem como objetivo fomentar ações para que pessoas com deficiência disponham de oportunidades diversificadas de acesso ao livro e à leitura. Confira a entrevista abaixo:

Projeto Liz - Em 2019, a Fundação Dorina divulgou a pesquisa Cenários da Leitura Acessível, um levantamento sobre os horizontes e os desafios de ações desse tipo no País. Como o senhor/a senhora avalia esse cenário nos últimos anos? Onde exatamente avançamos e quais as perspectivas para o futuro?


Perla Assunção – Podemos fazer essa avaliação a partir de duas grandes frentes, que seriam: a Promoção da Leitura Acessível e a Produção do livro Acessível. No campo da Promoção, atuamos em diferentes contextos e percebemos que há grandes esforços e projetos sendo realizados pelos intermediários da leitura (escolas, bibliotecas, universidades, grupos culturais, dentre outros). A exemplo, temos um grupo nacional de diálogo e diariamente vemos a movimentação de profissionais e coletivos da causa inclusiva divulgando ações, promovendo discussões, trocando materiais de apoio, lançando-se como autores de livros. Todas essas ações geram impacto na sociedade não só para o leitor com deficiência, mas também para um olhar sobre a acessibilidade, a inclusão e a leitura inclusiva por um público geral, que é importante ser impactado.

Em relação a Produção do Livro Acessível, a pesquisa nos mostrou que, quem produz, tem a validação por parte dos seus leitores-alvo no que se refere à diversidade de formatos e à qualidade das obras produzidas. Os livros da Fundação Dorina são bem avaliados, assim como as produções dos núcleos de acessibilidade e dos centros de apoio pedagógico. No entanto, o número de obras ainda é insuficiente, bem como a agilidade na produção. Ainda levam meses para poder ter acesso ao livro do momento. Nos deparamos também com o pouco interesse do mercado editorial na produção de livros em formatos e suportes acessíveis.

Projeto Liz - Essa mesma pesquisa mostra que livros infantis estão entre os gêneros com maior carência de demanda, embora também sejam os mais disponíveis. Se fosse possível apontar razões para esse descompasso, quais você destacaria?


Perla Assunção Vale a pena destacar que a pesquisa foi realizada com público leitor de faixa etária entre 15 e 64 anos. Também realizamos a pesquisa junto aos intermediários da leitura e foi por esses interlocutores que a informação que vocês destacaram aparece. Com isso em mente, podemos trazer algumas hipóteses

  • Essa é uma faixa etária de maior estimulação para a leitura, o que traz maior diversidade de títulos para exploração.
  • Percebe-se um descompasso no preparo das instituições de ensino ou de leitura para construir acervos acessíveis. O que vemos é uma busca por livros acessíveis a partir do momento que recebem o aluno ou usuário com deficiência visual. Daí, a busca fica para suprir uma emergência, implicando no desconhecimento de tudo que já foi produzido, no aprimoramento do seu uso e na seleção mais apurada dos títulos e formatos.
  • Também acreditamos que a falta de preparo dos profissionais pode estar associada nesse ponto, pois - para a faixa etária infantil - é estimulado que se faça uso do Braille para alfabetização e letramento. Se o mediador desconhecer o uso desse sistema ele vai acabar buscando outros formatos acessíveis, que apoiam na formação leitora, mas não suprem a necessidade do Braille para o processo de aprendizado da escrita.


Projeto Liz - Como você avalia, então, o papel da escola e de outros ambientes formais de acesso ao conhecimento e de formação cidadã no fomento a iniciativas de leitura acessível, especialmente para o público infanto-juvenil?

Perla Assunção – Sob a perspectiva da nossa fundadora (Dona Dorina), que sempre buscou uma educação na qual as pessoas, independentemente da sua condição, da ausência ou da presença de um dos sentidos, pudessem ter acesso de qualidade garantido, avaliamos que esse caminho ainda está sendo construído. No ensino, por exemplo, temos uma estrutura que envolve salas de recursos multifuncionais, centros e núcleos de apoio pedagógico, mas que precisam estar em sintonia com uma forma de pensar e agir, de fato, inclusivos. E esse é um desafio presente nas diferentes redes. As diversas frentes de atuação da Fundação buscam colaborar na construção de uma educação inclusiva, mas as lacunas ainda são imensas. Em nosso atendimento ao público infantil temos nos articulado junto à escola regular frequentada pelo nosso cliente, temos uma área de educação inclusiva com formações constantes para professores da educação básica e superior, diálogo permanente por meio da Rede de Leitura Inclusiva e a construção de coleções infantis distribuídas gratuitamente, contando ainda com ações presenciais para estímulo do uso.

Projeto Liz - É comum escutarmos que, no Brasil, lê-se pouco. A questão é: qual o impacto disso na formação das nossas crianças, sobretudo daquelas que demandam recursos (humanos e tecnológicos) de acessibilidade para efetivar o direito à informação e ao conhecimento via leitura?

Perla Assunção – Se essa é uma afirmação que se coloca frente ao público em geral, para as crianças que demandam recursos de acessibilidade, isso se apresenta como um desafio exponencialmente mais grave, pois ainda estamos buscando a garantia de acesso ao elemento Livro. Sem ele, outras barreiras são levantadas, como a falta de conhecimento sobre o seu uso, a falta de acervos nos espaços de formação leitora, a pouca variedade de títulos, as dificuldades de participação das crianças nas atividades e, por aí, uma longa lista de desafios.

Todo esse percurso pode ser alterado a partir do acesso primário ao elemento livro, uma vez que ele concretiza (de modo material) as diversas possibilidades de ler, bem como mostra que há diversos modos de ser um leitor com especificidades que agregam, desviando o olhar da falta para o lugar de potência.

Projeto Liz - Não podemos esquecer o papel do Estado nesse processo. A própria Lei Brasileira de Inclusão salienta isso, mas as ações governamentais têm sido suficientes? É possível vislumbrar uma política nacional voltada para essa pauta, envolvendo o poder público, a iniciativa privada e a sociedade civil?

Perla Assunção – Sem dúvida! É na movimentação e no diálogo articulado entre esses atores, e sobretudo com a participação da pessoa com deficiência, que podemos impactar de forma mais efetiva e em maior escala. Mas é sempre bom destacar que a efetividade se dá no local, onde as pessoas estão no dia a dia. Por isso, o impacto deve ser sentido desse lugar (local) para um maior, que é nacional.

Buscamos, por meio do projeto Rede de Leitura Inclusiva, estimular essa articulação e pautar agendas públicas. Temos alguns ganhos alcançados. Por exemplo, em Sergipe, temos a Semana Aracaju Acessível com o Grupo de Trabalho local articulando as ações; a participação de parceiros nas audiências públicas, auxiliando e propondo pontos já discutidos nos coletivos; a união das três esferas - Federação, Estado e Munícipio - em eventos inclusivos de leitura. Esses são processos iniciados, mas que precisam ser regados e cultivados. É uma construção dos nós para uma Rede de Inclusão e também um movimento de enfrentamento das tensões.

Projeto Liz - Em parceria com a Fundação Dorina, estamos lançando o livro infantil acessível "Liz e seus amigos, o poder da inclusão". A Dorina tem histórico com essas produções. Qual a importância de projetos assim diante do cenário atual?

Perla Assunção – É imensamente importante fazer isso junto. As produções em conjunto são a oportunidade que temos de aliar parceiros nessa jornada pela inclusão. A Fundação Dorina tem expertise em produzir livros em suportes acessíveis, mas sem o engajamento de outros parceiros nessa empreitada desafiadora seria uma luta solitária. Há uma retroalimentação de bons conteúdos, acessibilidade e público, que espera muito por isso.

Projeto Liz - Bom, nós agradecemos imensamente sua atenção. E, para fechar, abrimos espaço para que a senhora possa tecer um comentário ou uma mensagem para o público.

Perla Assunção – Fazemos sempre um convite para que todos possam vivenciar a inclusão de ponta a ponta, da produção à efetivação da leitura. Dessa forma, fica o convite para quem desejar fazer parte da Rede de Leitura Inclusiva, colaborando e aprendendo com os parceiros. Para fazer parte é só nos contatar pelo leiturainclusiva@fundacaodorina.org.br. Nós fazemos a ponte para a aproximação entre parceiros dos 26 Estados e mais o Distrito Federal.

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